[Resenha] A Tempestade – William Shakespeare

Título: A Tempestade
Autor: William Shakespeare
Número de páginas: 120
Ano de edição: 2002
Editora: L&PM
Tradução: Beatriz Viégas-Faria 

a-tempestadePoeta e dramaturgo inglês, William Shakespeare é considerado o maior escritor de língua inglesa e o mais influente dramaturgo do mundo. Não é para menos, sua produção, que se estende do final do século XVI ao início do XVII, tratou de temas tão universais que permanecem vivos até os dias de hoje, sendo revisitados não somente pelo teatro, mas pelo cinema, pela televisão, pela literatura e pelas mais diversas artes.

Não há quem nunca ouviu falar de Romeu e Julieta. Ou não conheça o famoso “Ser ou não ser?” de Hamlet. A obra de Shakespeare é, com certeza, imortalizada por uma escrita única, rica, oscilando entre o trágico e o cômico.

E é um texto do bardo que resenharemos hoje. Como vocês já devem ter percebido, sou uma grande fã de Shakespeare. Acho suas peças muito inteligentes, revelam e questionam a natureza humana.

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A Tempestade  é uma comédia escrita entre 1610 e 1611 possivelmente. Os estudiosos da obra shakespeariana afirmam ser a última peça escrita pelo autor. O enredo é muito interessante e possui um tema bem político.

A peça inicia com uma cena bastante tensa: estrondo de tempestade, relâmpagos, trovões. Um navio no meio da tempestade. Dessa forma conhecemos Alonso, o rei de Nápoles; Sebastião, seu irmão; Ferdinando, o filho do rei; Antônio, o duque de Milão; Gonzalo, um antigo conselheiro do rei; além dos marinheiros do navio.

Em outro local da história, está Próspero, o verdadeiro duque de Milão, pronto para executar o seu plano para retomar o seu título usurpado pelo seu irmão Antônio. Próspero vive nessa ilha com sua filha Miranda, Ariel e Caliban, dois escravos.

Como todas as obras de Shakespeare, esse texto é excelente. Inicialmente, pensamos que será apenas mais uma peça em que nos mostra o herói vingando-se dos vilões e estes sendo devidamente punidos. No entanto, o enredo é muito mais interessante que isso. O protagonista Próspero é, no mínimo, intrigante. A forma com que ele conduz a sua vingança faz-nos repensar nessa dualidade herói como símbolo da bondade X vilão como símbolo da maldade. Próspero não é totalmente bondoso e isso podemos observar já no início do texto já que ele mostra o seu poder através da manipulação e da magia. É o próprio que conjura a tempestade para que ocorra o naufrágio e a chegada de seus inimigos na ilha.

MIRANDA – Que os céus o abençoem por isso, meu pai. Mas agora eu peço que o senhor me responda, pois isto ainda lateja em meu pensamento: por que razão promoveu o senhor essa tempestade no mar?
PRÓSPERO – Pois saibas então que, por acidente dos mais bizarros, a Fortuna, deusa liberal e cega (hoje minha amada Companheira), encarregou-se de trazer meus inimigos a esta praia. […]
(página 20)

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PRÓSPERO – Você executou, espírito, a tempestade que lhe encomendei? Nos mínimos detalhes?
ARIEL – Em todos os seus artigos, cláusulas e itens. […]
PRÓSPERO – Meu bom espíritio, quem seria tão firme, tão equilibrado, que não se deixasse infectar em seu juízo por essa confusão?
ARIEL – Não houve viva alma que não sentisse a febre da loucura, que não entrasse em desespero. Todos que não eram marinheiros atiraram-se nas espumas da água salgada, abandonaram o navio; comigo incandescente, o filho do Rei, Ferdinando, cabelo em pé (mais parecia junco que uma cabeleira), foi o primeiro a jogar-se ao mar; gritou “O Inferno está vazio, e os demônios estão todos aqui”.
(página 21)

Próspero manipula Ferdinando e Miranda a se apaixonarem, em uma intenção do escritor em demonstrar como funcionava os casamentos por interesse nessa época. Com essa união, o protagonista conseguiria formar a aliança de dois reinos fortes (como foi dito, Próspero é o Duque de Milão legítimo, Miranda, sua herdeira, e Ferdinando é o príncipe de Nápoles). Esse tipo de “negociação” no casamento era bastante comum, principalmente nos governos monárquicos.

PRÓSPERO (dirigindo-se a Ferdinando) – Se exigi de você uma disciplina de excessiva austeridade, isso fica retificado por sua compensação, pois aqui lhe entreguei um terço de minha própria vida, ou minha própria razão de viver, de quem uma vez mais eu ofereço a mão, para a sua mão. Todas as tuas humilhações foram tão-somente meu modo de testar o teu amor, e tu passaste admiravelmente em todas as provas. […] para ela todo elogio é pouco e diante dela qualquer elogio será deficiente.
FERDINANDO – Nisso eu acredito, mesmo que o contrário me dissesse um oráculo
PRÓSPERO – Então toma, como meu presente e aquisição tua, por ti merecidamente conquistada, minha filha. Contudo, se lhe desatares o nó da virgindade antes de ministradas todas as sagradas cerimônias, com todos os rituais santificados a que ela tem direito, e em sua integridade, os céus não poderão aspergir sobre vocês as doces promessas que farão vingar esse contrato. […]
(páginas 85 e 86)

Outro tipo de manipulação empreendida por Próspero foi a escravização do espírito Ariel e do selvagem Caliban. Lembrando que Shakespeare é um homem do século XVI, período em que a expansão marítima está em pelo desenvolvimento. A escravidão dessas duas personagens mostra-nos o impacto das conquistas efetuadas pelos europeus. Tanto Ariel quanto Caliban são seres da ilha, assim como os habitantes do Novo Mundo, todos conquistados pelos povos europeus. Próspero possui o comportamento dos conquistadores, aproveita-se do conhecimento que Caliban tem da ilha, instala-se na terra nova e depois o escraviza para que este realize as tarefas mais braçais.

PRÓSPERO – Tu, escravo venenoso, gerado pelo próprio demônio dentro de tua monstruosa mãe, aparece.
Entra Caliban.
CALIBAN – Que caia sobre vocês dois o orvalho da madrugada, tão amaldiçoado como o que minha mãe colhia, com uma pena de corvo, de um pântano insalubre. Que bafeje em vocês a umidade do vento sudoeste, e que ele os cubra de feridas pustulentas.
(página 27)

Como toda comédia, existem cenas engraçadas e o final feliz. A narrativa é envolvente e fascinante. A linguagem de Shakespeare, apesar de distante da nossa, não é tão rebuscada, pelo contrário, conseguimos nos adaptar à beleza de sua linguagem logo nas primeiras páginas.

A Tempestade  é uma leitura essencial, de temática atual e muito reflexiva. Fica a dica!

 

 

 

 

 

 

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