O Surrealismo foi, cronologicamente, o último movimento da vanguarda europeia do início do século XX. Note como André Breton (1896 – 1966), autor do primeiro manifesto surrealista, definiu o movimento:
Surrealismo, s.m. Automatismo psíquico pelo qual alguém se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento.
“O Surrealismo não é um estilo. É o grito da mente que se volta para si mesma.” Assim o ator e escritor Antonin Artaud definiu essa vanguarda.
Fortemente ligado às artes visuais, o Surrealismo é uma vanguarda interessada em adquirir um maior conhecimento do ser humano. Seus seguidores pretendem, por meio da valorização da fantasia, do sonho, do interesse pela loucura, liberar o inconsciente humano, terreno fértil e ainda muito pouco explorado.
O fascínio pelo inconsciente e por todas as formas que vão além da realidade objetiva aproxima os surrealistas da teoria psicanalítica de Sigmund Freud.
As bases da psicanálise: o modelo freudiano
Freud propôs um modelo explicativo para a estrutura de nosso “sistema” psíquico. O comportamento humano é visto, nessa teoria, como o resultado da interação entre três partes: id, ego e superego.
O id seria o lado mais agressivo e animalesco, dominado pelos desejos de natureza sexual e livre das imposições culturais e sociais. O id leva a buscar sempre o prazer.
O ego, domínio da percepção, do pensamento e do controle motor, é o encarregado de encontrar formas de alcançar a realização do desejo contido no id.
O superego funciona como o censor do id. É nele que ficam guardadas as proibições, as regras socialmente impostas ao indivíduo.
De certa forma, o embate entre o id e o superego simboliza o confronto básico entre os desejos individuais (associados ao primeiro) e as regras coletivas (presentes no segundo). O ego é o árbitro desse embate.
Os surrealistas veem a teoria de Freud como sinal de que há muito a ser descoberto sobre o ser humano. Eles acreditam que a razão não é o melhor instrumento para essas descobertas, porque ela ignora nosso universo inconsciente. Por isso, as manifestações artísticas que produzem são um desafio evidente à organização racional do mundo.
A literatura surrealista
O grande nome da literatura surrealista é André Breton. Em 1924, ele publica em Paris o Manifesto do Surrealismo, em que define o espírito e os objetivos da nova vanguarda.
Na literatura, a liberação do inconsciente deve ser alcançada com o auxílio da escrita automática. No Manifesto, André Breton ensina como usar o automatismo para fazer emergir o inconsciente.
[…] Mandem trazer algo com que escrever, depois de se haverem estabelecido em um lugar tão favorável quanto possível à concentração do espírito sobre si mesmo. Ponham-se no estado mais passivo, ou receptivo que puderem. Façam abstração de seus gênios, de seus talentos e dos de todos os outros. Digam a si mesmos que a literatura é um dos: mais tristes caminhos que levam a tudo. Escrevam depressa, sem um assunto preconcebido, bastante depressa para não conterem e não serem tentados a reler. A primeira frase virá sozinha, tanto é verdade que a cada segundo é uma frase estrangeira ou estranha a nosso pensamento consciente que só pede para se exteriorizar.[…]
BRE TON, André. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. p. 194. (Fragmento).
O resultado desse processo é sempre um texto em que as relações lógicas não servem de apoio para o leitor, porque as imagens criadas não encontram equivalente no mundo conhecido. Privado das bases racionais de análise, não resta ao leitor outra saída a não ser entregar-se ao universo de sonho proposto pelo texto.
No Brasil, o Surrealismo lança suas raízes na obra do modernista Murilo Mendes, que procura, em vários poemas, construir imagens que trazem à tona o misterioso inconsciente.
Aproximação do terror
I
Dos braços do poeta
Pende a ópera do mundo
(Tempo, cirurgião do mundo):O abismo bate palmas,
A noite aponta o revólver.
Ouço a multidão, o coro do universo,
O trote das estrelasJá nos subúrbios da caneta:
As rosas perderam a fala.
Entrega-se a morte a domicílio.Dos braços…
Pende a ópera do mundo.(apud Laís Correa de Araújo, Murilo Mendes, 2ªed., Petrópolis, Vozes,1 972, p. 132)
Se você quiser saber um pouco mais sobre o Surrealismo e sobre a obra de Vladimir Kush, acesse o blog da minha amiga Cláudia, o Jardim dos Sonhos. Tem um post muito interessante lá!!
Olá, querida…
Acho o Surrealismo uma das estéticas mais belas e interessantes e o aspecto onírico é, realmente, algo que, além de promover uma viagem ao inconsciente, proporciona belas criações e sensíveis imagens poéticas…
A propósito, obrigada pela citação! ^^
Beijos…
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Sabe que quando eu estava pesquisando umas imagens, o Google direcionou para o teu blog, Clau? Então, eu não poderia deixar de te citar! E o post está muito bom… As pessoas só falam do Salvador Dali, como se somente ele fosse surrealista, mas existem diversos artistas tão importantes quanto ele e com obras belíssimas, né?
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Pingback: Vanguardas culturais europeias « da literatura
Legal. Muito bem escrito e apresentado. Bem didático.e prazeroso. Gostei muito.
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